sexta-feira, 11 de abril de 2008

A leveza aparente


Esta semana começou-me um pouco mal. De Domingo para 2a dormi menos do que precisava. A culpa foi das saudades que já tinha da escrita do senhor Jorge Amado. Se soubesse que ia perder a noção das horas não tinha aberto este livro no Domingo.


É uma escrita em que tudo parece tão leve, tão fácil, que nos envolve e nos faz esquecer que existe mundo. Mas em qualquer obra sua encontramos uma falsa leveza. Tudo é escrito de maneira leve, mas tem um tal peso implícito que só um inocente não o nota.


"...Apesar de seus oito anos, António Balduíno já chefiava as quadrilhas de molecotes que vagabundeavam pelo morro do Capa-Negro e morros adjacentes. Porém de noite não havia brinquedo que o arrancasse da contemplação das luzes que se acendiam na cidade tão próxima e tão longínqua. Se sentava naquele mesmo banco à hora do crepúsculo e esperava com ansiedade de amante que as luzes se acendessem. Tinha uma volúpia aquela espera, parecia homem esperando fêmea. António Balduíno ficava com os olhos espichados em direção à cidade, esperando. Seu coração batia com mais força enquanto a escuridão da noite invadia o casario, cobria as ruas, a ladeira, e fazia subir da cidade um rumor estranho de gente que se recolhe ao lar, de homens que comentam os negócios do dia e o crime da noite passada..."
Jubiabá
Obra Conjunta, Volume V a, Publicações Dom Quixote


Segue nesta simples descrição por mais um bocado, e quem acaba a caracterização do personagem, desvenda os seus sentimentos e expectativas acaba por ser a inteligência do leitor. Se fosse num plano de cinema seria uma cena parada, em que o actor teria de dizer muito sem abrir a boca, e a fotografia e o som tinham de ser muito boas para fazer justiça a esta passagem. Muita gente veria simplesmente um plano parado e chato. Há coisas que requerem preparação e pré-disposição. E gosto também.


O que é injusto é que a às custas de uma leveza aparente se maltrate a obra de Jorge Amado em sucessivas adaptações melodramaticas para novelas más.

Se alguma coisa que vi me fez lembrar a escrita dele foi o "Cidade de Deus". Aí está um grande exemplo de como a aparente simplicidade vai levando a água ao seu moínho. Tamanha quantidade de violência só é melhor pelo espectador pela maneira como é tratada. Mas a mensagem, essa acaba por passar.


É para mim a grande lição dos países pobres de climas quentes, a de que as coisas abstractas têm o peso que lhes quisermos dar. Não quer dizer que não sofram com o que se passa à sua volta, mas a maneira como encaram as coisas permite-lhes voltar a sorrir mais cedo.


Agora sem tanta divagação: Jorge Amado é um escritor enorme. Merece ser lido.

2 comentários:

Ana disse...

Admito q o português do Brasil n me seduz, a escrita torna-se menos prazerosa, mas dp de tantos elogios sinto-me tentada a ler. Dele só li a História do Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, q adorei, mas eu n resisto a uma boa história infanto-juvenil lol

Tempus_Fugit disse...

Tambem me faz confusão, mas é porque somos massacrados com coisas más com sotaque brasileiro! Mais uma vez lá está o Jorge Amado a levar por tabela por uma coisa que não tem culpa... Se ouvissemos pouco portugês do Brasil achávamos bonito e musical. Como ouvimos demasiado e pelos piores motivos criamos aversão.

Dê uma chance pra Seu Jorge...