terça-feira, 29 de janeiro de 2008

a parte gira de se arrumar a casa...

Lembro-me um dia de, em conversa no bairro alto, de copo na mão e já um pouco em delirius tremens, dizer a uma bela rapariga, a conversa deveria rondar qualquer coisa sobre valores e posses, ou algo que o valha pois o meu estado mais não deixa recordar que a minha frase e o silêncio que se seguiu:
"Eu não possuo nada - disse esvaziando os vazios bolsos, excepto este sax que trago às costas (fiel companheiro, para o melhor e para o pior) e uma mão cheia de verdadeiros amigos. Essa sim, é a minha grande riqueza!"

Poderia estar ébrio, mas a verdade mantém-se de tal modo que até a mim me surpreende.
Hoje recebi um e-mail que uma amiga me mandou com um poema, e chega a ser assustador como os nossos amigos parecem conhecer-nos melhor que nós.

Obrigado Cláudia, obrigado Tiago, os outros, por ora, que me perdoem a discriminação, são tantos e bons que terão o meu tributo em hora certa. Todavia, "mi corazón es vuestro!"

"é encontrarmos verdadeiros tesouros por entre pilhas de lixo.

Não sei se te cheguei a passar isto mas, em todo o caso, tinha uma folhinha - com um aspecto ancestral, denunciando que já faz muito tempo que foi escrita - que dizia: "dar ao filipe."

Portanto...com grande atraso - mas mais vale tarde que nunca- e possivelmente repetido, cá vai:


Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que na realidade
está um pouco usado, meio calejado, muito machucado
e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões.
Um pouco inconseqüente
que nunca desiste de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado,
coração que acha que Tim Maia estava certo
quando escreveu... "não quero dinheiro,
eu quero amor sincero, é isso que eu espero...".
Um idealista...
Um verdadeiro sonhador...
Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece,
e mantém sempre viva a esperança de ser feliz,
sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando relações
e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração que insiste
em cometer sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional que,
abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas,
mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado,
ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado
indicado apenas para quem quer viver intensamente e,
contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida
matando o tempo, defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração tão inocente
que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário.
Um coração que quando parar de bater
ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas:
" O Senhor poder conferir, eu fiz tudo certo,
só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer".
Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro
que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconseqüente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que,
ainda não foi adotado, provavelmente,
por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que,
mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar, mas vez por outra,
constrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence seu usuário
a publicar seus segredos e, a ter a petulância
de se aventurar como poeta.


Rifa-se um Coração, Clarice Lispector "

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