quinta-feira, 3 de julho de 2008

Dos elogios

O jornal Público elucida:

Elogios, mas sem exageros

Somos o que somos e gostamos que as pessoas que nos são próximas nos percebam. Gostamos que reconheçam as nossas qualidades, mas também que critiquem (comedidamente) os nossos defeitos. E não gostamos de elogios desmedidos.

É agradável receber um elogio. Todos gostamos de ver as nossas qualidades reconhecidas. Mas se o elogio recebido for exagerado (e ao contrário do que considera o senso comum), o caso muda de figura. A situação torna-se desagradável; ficamos perturbados, ansiosos. Será que a pessoa que nos elogiou é idiota? Será que está a gozar connosco? Como é possível que nos veja assim tão diferente do que realmente somos? Não bate certo. E é stressante, ainda por cima, pensar que iremos com certeza desiludir aquela pessoa muito em breve, uma vez que no melhor dos casos (ou seja, se ela não for tonta nem maquiavélica), as suas expectativas em relação a nós são tão elevadas que nunca iremos conseguir estar à altura.
William Swann, psicólogo social da Universidade do Texas, desenvolveu uma teoria, dita da autoverificação, para explicar este aparente paradoxo. Lê-se na sua página web: "As pessoas querem ser conhecidas e compreendidas pelos outros. A teoria parte do pressuposto de que, quando desenvolvem convicções fortes em relação a si próprias, as pessoas acabam por preferir que os outros as vejam como elas próprias de vêem - mesmo quando essa auto-avaliação é negativa"

Superelogiados
Há uma dúzia de anos, Swann publicava no Journal of Personality and Social Psychology uma experiência que tinha realizado junto de um grupo de casais (86 já casados e 90 de namorados), pedindo a cada um dos elementos do casal para avaliar o outro. Tinha observado um fenómeno surpreendente. Ao passo que os casais que ainda namoravam gostavam de ser superelogiados pelo par, mesmo que isso não fosse verdade, essa inclinação desaparecia nas pessoas casadas, dando lugar à reacção oposta. Nos casais casados, efectivamente, os cônjuges que tinham um baixo nível de auto-estima sentiam-se mais próximos da sua cara metade quando ela os avaliava de forma negativa do que quando eram elogiados.
Na altura, Swann tinha declarado, citado pela revista Science News: "é possível que o namoro constitua uma preparação absolutamente inadequada para o casamento, em particular para as pessoas que têm pouca auto-estima. Tanto no namoro como no casamento, os parceiros podem ver-se obrigados a fazer equilibrismo entre as avaliações demasiado positivas e demasiado negativas."
Agora, a equipa de Swann repetiu a experiência no contexto do local de trabalho e publicou os resultados numa das últimas edições do Academy of Management Journal. As conclusões são em tudo semelhantes: as pessoas com pouca auto-estima identificam-se mais com a sua empresa quando o nível de equidade, de justiça dos procedimentos dentro da empresa é baixo do que quando é elevado. Para Swann, explica o Washington Post, isso significa que os patrões que pensam que os elogios desmesurados podem alimentar a lealdade dos seus funcionários estão muito enganados. Essa atitude pode ter o resultado diametralmente oposto naqueles funcionários (e são muitos, estima-se que um em cada três) que não se olham a si próprios com muito bons olhos.

Imagem interna
Como explicar este paradoxo, que parece ser a regra e não a excepção? Cada um de nós tem uma imagem interna de si próprio, explica Swann. Ora, essa imagem interna é a que nos diz quem somos, que nos confere identidade e coerência psicológica, que nos permite perceber e prever as reacções dos outros. "A nossa visão de nós próprios contém os pontos de referência que nos permitem saber o que fazer na vida", diz Swann, ainda citado pelo Post. "Desempenha um papel central, indicando-nos como devemos agir, o que devemos sentir e quais devem ser as nossas expectativas. Ninguém gosta de ver essas linhas orientadoras postas em causa." Quando isso acontece, a nossa coerência interna pode vacilar.
Beth Morlig, psicóloga da Universidade do Delaware, também citada pelo diário norte-americano, faz por seu lado o seguinte raciocínio: "Se um chefe diz ao seu empregado que vale 3 quando o empregado acha que vale 2, tudo bem; mas se lhe dá nota 9, aí o empregado pensa que o seu chefe está a brincar com ele. "Não nos sentimos mais seguros porque alguém nos sobrevaloriza ou minimiza os nossos defeitos - antes pelo contrário. E, claro, quanto pior a imagem que tivermos de nós próprios, mais desagradável isso se torna.
Mas esta linha de pensamento não vale apenas para as pessoas que se avaliam negativamente, diz ainda Morling. É que, embora as pessoas com boa opinião de si próprias gostem de ser valorizadas, a verdade é que, a menos que sejam completamente egocêntricas, vaidosas e psicologicamente cegas, também não apreciam exageros. "Se eu acho que valho 8 em termos de beleza física", diz ainda Morling, "gosto que me digam que valho 9. É agradável. Mas se alguém me disser que valho 10, a discrepância em relação à minha auto-avaliação torna-se demasiado grande, fazendo-me recear que as relações com essa pessoa se venham a tornar incómodas, porque ela não percebe bem quem sou." Ou seja: gostamos do elogio, mas não da lisonja, e apreciamos mais a verdade e a justiça nas avaliações que os outros fazem de nós do que realmente se pensa.
Nada disto significa que as pessoas que não gostam muito de si próprias desejem ser depreciadas ou maltratadas! Apenas quer dizer que não apreciam ser mal interpretadas, avaliadas de forma injusta, porque isso pode ter consequências mais desagradáveis do que serem apreciadas pelo seu justo valor. Há aqui, no fundo, uma saudável dose de realismo - que pode mesmo, segundo Swann, ajudar as pessoas com baixa auto-estima e ter uma vida melhor. "saber quem somos é o primeiro passo para a saúde psicológica", dizia Swann à Science News em 1992, na altura de uma das suas primeiras publicações  nesta área.
Seja como for, também ninguém gosta de ser sistematicamente subavaliado. O próprio Swann frisa que, nos casos em que um dos cônjuges não pára de desvalorizar o outro durante anos a fio, o desenlace costuma ser o divórcio.


Sobre tudo isto, opto por dizer apenas duas coisas ( o que, tendo em consideração o número de questões que me solicita, é hercúleo):

#1 Pinta-me como sou.
     Se não puseres as cicatrizes nem as rugas, não te pagarei.

       Oliver Cromwell (político britânico, 1599-1658)


#2 But I know the things I know,
      and I do the things I do;
      and if you do not like me so,
      to hell, my love, with you!
  
      Dorothy Parker (escritora norte-americana, 1893-1967)
     

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