Na minha passagem pelo Fundão conheci um homem que poderia ter saído de um romance, ou entrado nele, fosse eu escritor ( mas sendo a região profícua nas gentes que abraçam essa pena talvez até já tenha entrado e eu não saiba). Já aqui vos falei dele, homem simples, homem simples que fazia questão de alardear a sua simplicidade académica, hasteando ao alto a sua 4ª classe. Mas na realidade este personagem era tudo menos simples, era um indivíduo de cabelo grisalho, bigode bem português, enfatuado de expressão, dicção por demais beirã que, quando acompanhada já de outros licores, se tornava parente de um discurso assaz desconexo. Mãos que se guardam uma à outra em frente ao peito sob um sorriso gentio, ingénuo até, de uma ingenuidade que só dos homens, muita genica, muita força. Uma alma em sangue quando lá cheguei, machucada quando vim. Um dia ao jantar, provavelmente uma noite de quarta-feira, o Zé das Meiguiçes deixa cair este lampejo sob a mesa do seu tasco onde eu comia, "Amar as pessoas é falar com elas!", está a ouvir, senhor professor, amar as pessoas é falar com elas. Como não ouvir, perguntei-me então, pergunto-me ainda hoje, e tu, meu bom velho, estás a ouvir? É imensa essa verdade que distrubuis aos homens como pratos de tremoços, esse acto de fé que practicas diligentemente com quem te entra porta dentro... Falavas da tua namorada ucraniana com carinho, com uma ternura de adolescente num bigode de cinquentão, do champanhe que levavas para o quarto finda a noite de trabalho. "A minha namorada". E era comovente ouvir-te, da boca de onde saiam impropérios a toda a hora saiam joias que guiaram homens de todos os tempos em périplos sem fim...
Eu acredito, hoje mais do que nunca, que o Amor é um acto de comunicação, e a vida encarregou-se de, num exercício de humildade, me demonstrar como, julgando que te ouvia e ouvia de facto, encetar a demonstração dessa tua boa asserção, meu velho. Sem sombra de dúvida que amar, para mim, é falar com as pessoas...